Mobilidade a pé é destaque no 21º Congresso de Transporte e Trânsito

Como Anda
6 min readJul 4, 2017

A hora e a vez dos pedestres chegou para ficar. E não seria diferente no 21º Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito, realizado pela ANTP entre os dias 28 e 30 de junho de 2017. Pela primeira vez, o tema da mobilidade a pé passou a ter destaque em um dos principais eventos científicos e políticos da área de transportes e mobilidade urbana.

Ao longo dos três dias, foram 30 comunicações técnicas, 5 painés e 4 oficinas focadas em mobilidade a pé, sem contar os demais temas relacionados, como gênero, transporte por bicicleta, educação, segurança viária e o futuro das cidades. São números relevantes quando comparados com o 20º Congresso realizado em 2015, quando houve apenas 6 comunicações técnicas, 1 oficina e 1 painel voltados aos pedestres. O painel de abertura, tradicionalmente marcado pela presença de autoridades públicas também cedeu espaço para a fala das mulheres que pautam a mobilidade ativa na ANTP, com destaque para a Comissão de Mobilidade a Pé e Acessibilidade.

Quantidade de comunicações técnicas, painéis e oficinas nos dois últimos Congressos da ANTP.

O Congresso também contou com a realização dos Bondes a Pé pela Corrida Amiga. Foram 3 rotas ao longo de todos os dias e um mega Bonde a pé pela manhã de sexta-feira, com a participação de mais de 80 caminhantes. Além de todos os benefícios do deslocamento ativo, foi uma ótima oportunidade poder apresentar parte da cidade para pessoas de outros estados, e no melhor e mais inclusivo meio de transporte: a pé!

Infográfico — Bondes a Pé (21º Congresso da ANTP)

Um dos destaques do Congresso no tema da promoção da mobilidade a pé foi o Painel Como Anda, que viabilizou, através de um edital com apoio do Instituto Clima e Sociedade, que selecionou e permitiu a vinda de quatro organizações de todo o país para participarem do evento. O objetivo foi compreender como estão ocorrendo as ações pela mobilidade a pé no contexto de cada organização, histórico e perspectivas para a evolução do movimento em prol dos pedestres e os desafios e oportunidades dessa atuação.

Silvia Stuchi apresentou o Como Anda

Silvia Stuchi Cruz, da equipe Como Anda, abriu o painel trazendo dados da pesquisa e contextualizando a importância do debate. “Trazer organizações de outras cidades, para se conhecerem e trocarem experiências do que vem sendo feito localmente é basal para que o movimento continue a evoluir e ganhe ainda mais força”.

Djair Falcão, do INCITI, apresentou o projeto do Parque Capibaribe

Djair Falcão, do INCITI, uma rede de pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), apresentou o projeto Parque Capibaribe, desenvolvido por meio de um convênio com a Prefeitura da Cidade do Recife, através da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Recife. Um parque, ao longo de todo o percurso do Rio Capibaribe, visa articular espaços públicos existentes em uma área de influência de 42 bairros, promovendo transformações capazes de oferecer novas oportunidades e maior qualidade de vida a seus habitantes. A oferta de novos espaços públicos e novas ligações entre as margens coloca o pedestre como prioridade nessa transformação urbana. “O Parque Capibaribe só está se viabilizando porque tem como princípio a participação social e o envolvimento da equipe técnica nos processos de convencimento técnico e político. Não estamos entregando produtos, mas facilitando processos”, contou Djair.

Thatiana Murillo falou sobre o Caminha Rio

O Rio de Janeiro também marcou presença com a fala da Thatiana Murillo, que lidera a organização Caminha Rio. Ela apresentou as iniciativas em prol dos pedestres cariocas como caminhadas e acompanhamento dos marcos regulatórios, como o Estatuto do Pedestre. Ter a oportunidade de conhecer outros grupos do país e debater a mobilidade a pé foi fundamental para Thatiana: “No Rio de Janeiro nós encontramos nas parcerias com outros coletivos um apoio fundamental para desenvolver projetos que são prioritários tanto para pedestres quanto ciclistas. Neste ano em que vamos ter pela primeira vez uma Semana Municipal do Pedestre, é preciso chamar a atenção da sociedade para o tema da acessibilidade e da mobilidade ativa”.

Manuella Coelho trouxe as experiências de Brasília do MOB

Manuella Coelho, do coletivo brasiliense MOB — Movimente e Ocupe seu Bairro, compartilhou algumas de suas principais iniciativas pela mobilidade a pé, como a Caminhada da Joaninha, uma versão voltada para crianças do Jane’s Walk. Ainda, intervenções nos espaços públicos da capital federal, tanto no plano piloto quanto nas áreas periféricas, foram apontadas como maneiras de promover cidades mais caminháveis. “Acreditamos na importância do trabalho em rede gerando resultados melhores e em consonância com as demandas reais de nossas cidades. Falando sobre a Caminhada da Joaninha acredito que pudemos levar um pouco de inspiração pra quem acompanhou o painel e demonstrar a necessidade cada vez mais urgente de inserir o debate urbanístico desde a infância. Muito bom poder conhecer pessoas que trabalham em prol do mesmo objetivo, fortalece nossa caminhada e da mais energia para seguir”.

Renatha Morés e Mario Pratti apresentaram a iniciativa A Pezito, de Porto Alegre

A organização A Pezito de Porto Alegre foi apresentada no painel pelos seus idealizadores, Renatha Morés e Mario Pratti, tendo sido o ponto inicial para analisarem a cidade a partir de diversas questões: saúde, segurança, acessibilidade, mobilidade e, principalmente, cidadania. A partir de caminhadas com crianças, eles buscam alcançar boas relações e (con)vivências com a vizinhança, conscientizar sobre o uso dos espaços públicos e da territorialização no entorno imediato das escolas. “Por meio de painéis projetivos, mapeamentos e cartografias, alcançamos uma etapa muito mais qualitativa que provoca o olhar e ação das crianças no reconhecimento do entorno da escola, em mapeamentos afetivos e na cidadania com um viés lúdico para associar o exercício da mobilidade a pé com prazer e uma certa prática estética, e jamais à uma obrigação”, contou Renatha.

Debate entre as organizações no Painel Como Anda

Durante o debate, os participantes puderam contar sobre o cenário da mobilidade a pé nas suas cidades, desafios e oportunidades para atuação em prol dos pedestres. Tanto Rio de Janeiro quanto Porto Alegre e Brasília foram apontadas como localidades com a presença de poucos grupos trabalhando nessa causa e com baixo engajamento da população, mas a partir de diferentes justificativas. Segundo Thatiana, no Rio de Janeiro as pessoas já caminham muito e há avanços na infraestrutura para o caminhar, o que poderia explicar este cenário local. Já Renatha, acredita que os problemas relacionados à segurança pública em Porto Alegre dificultam a promoção da mobilidade a pé. Manuella apontou o alto índice de viagens individuais motorizadas em Brasília como um grande desafio para a cultura do caminhar. Apenas Recife despontou no debate como uma cidade onde há diversas outras iniciativas em prol da mobilidade ativa e da ocupação dos espaços públicos, com envolvimento do poder público. Os participantes do painel também comentaram sobre a situação da mobilidade a pé em outras cidades, como Natal, tendo sido levantadas estratégias para replicar bons modelos de atuação e engajamento apresentados pelos painelistas.

Para a equipe Como Anda, a maior presença do tema no Congresso é um importante indicador do crescente protagonismo da mobilidade a pé no cenário da mobilidade urbana como um todo. A ocupação dos espaços de discussão por diversas organizações que atuam em prol dos pedestres e o aumento expressivo de comunicações técnicas sobre o tema indicam que as mudanças rumo a cidades mais caminháveis são cada vez mais urgentes. A partir disso, como podemos levar o debate para a prática? Um passo fundamental é o de incorporar a mobilidade a pé em outros temas e discussões, uma vez que é o modo de transporte conector com todos os demais e que a caminhabilidade deve ser uma qualidade intrínseca a qualquer plano ou projeto. Resta acompanhar se os demais atores que atuam com mobilidade urbana incorporam essa prática e se a prioridade aos pedestres também aparece nos projetos de transporte coletivo, ciclomobilidade e nas políticas de desenvolvimento urbano.

Equipes que atuam em prol da mobilidade a pé reunidas

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