Marcos regulatórios: Princípios e diretrizes da Mobilidade a pé | Acessibilidade
A plataforma Como Anda disponibiliza uma ferramenta de busca de marcos regulatórios, criada com o objetivo de consolidar uma base de dados aberta com a legislação vigente referente à mobilidade a pé no Brasil. A busca pode ser feita pelos usuários a partir da seleção de filtros que, ao serem cruzados os dados, apresentam as legislações correspondentes aos critérios escolhidos. No que tange a “princípios e diretrizes da mobilidade a pé”, um dos 11 eixos que podem ser aplicados como filtro, são contemplados aspectos como: acessibilidade; desestímulo ao uso do transporte individual motorizado; estímulo aos modos ativos; integração modal; moderação de tráfego; prioridade ao pedestre; segurança. Aqui, especificamente, será abordado o aspecto “acessibilidade”.
Acessibilidade: Normas de acessibilidade na execução de calçadas
A legislação vigente contempla a acessibilidade universal, tanto em exigir que a acessibilidade seja cumprida nas calçadas, espaços públicos, construções e meios de transporte, quanto em fornecer os parâmetros de desenho e materiais adequados. O Decreto 5.296 de 2004 regulamenta duas leis, a Lei 10.098/2000 e a Lei 10.048/2000, sobre acessibilidade e atendimento prioritário, respectivamente. E ainda, estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Outra importante lei promulgada recentemente é a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência. A Lei de Inclusão e a NBR9050 orientam todas as demais cartilhas e decretos municipais sobre a acessibilidade das calçadas e espaços públicos.
Neste mapeamento verificou-se que os 09 municípios estudados no Como Anda (ver texto Marcos regulatórios: a mobilidade a pé nas cidades brasileiras) possuem alguma legislação com as regras para o desenho das calçadas que estão embasadas principalmente na NBR9050. Como forma de levar essas regras ao conhecimento da população, que é responsável pela execução e manutenção da calçada, alguns municípios elaboraram cartilhas ou manuais que possuem uma linguagem mais acessível para informar e explicar as regras para a calçada.
Destacam-se ainda cartilhas de alguns municípios:
- Em São Paulo a Comissão Permanente de Acessibilidade vinculada à Secretaria Especial da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida disponibiliza a cartilha Mobilidade Acessível na Cidade de São Paulo (2005), Já a Cartilha da Lei do Passeio Livre e a Cartilha Calçada Cidadã de Mara Gabrilli são destinadas à população — possuem linguagem bastante simples e didática. A Cartilha da Calçada cidadã fornece regras e dados sobre a fiscalização dos passeios no município e indica os meios para denunciar calçadas em condições irregulares.
- Belo Horizonte possui a Cartilha Construção e Manutenção de Passeios (2013) elaborada pela Secretaria de Serviços Urbanos e Secretaria Adjunta de Regulação Urbana, que compila as regras de acessibilidade das normas federais e leis municipais. Apesar de bastante didático, seu conteúdo é destinado a técnicos. Também há a cartilha de Acessibilidade Urbana sob responsabilidade da Prefeitura de Belo horizonte e do CREA de Minas Gerais, mais completo, com normas sobre escadas, rampas e passarelas, destinado a técnicos. E ainda, há o manual do Governo do Estado de Minas Gerais em parceria com o Laboratório ADAPTESE da Escola de Arquitetura da UFMG com o título “Municípios Construindo Acessibilidade: O Que Todo Prefeito Deve Saber…” (2011) que possui a linguagem e conteúdo direcionados às prefeituras dos municípios do Estado.
- O governo do Distrito Federal possui a Cartilha de Acessibilidade Vol. II — Projetos Urbanos (2010) que apresenta a síntese da legislação urbanística de acessibilidade de forma ilustrada e tem como público alvo os profissionais de engenharia e arquitetura, técnicos executores e fiscais de obras.
- Em relação a Recife, a cartilha encontrada na forma digital é publicada pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (NEG Núcleo de Engenharia GEDE Gerência de Estudo e Desenvolvimento, 2014) com o título: “Cartilha de Acessibilidade Urbana: Um Caminho Para Todos” tem o objetivo de orientar a acessibilidade nas vias, é destinada a técnicos, menos didática, privilegia texto e trechos das leis com poucos desenhos para demonstrar as regras.
- Na pesquisa da legislação no Rio de Janeiro foram encontradas em diversos documentos referências ao manual “Calçadas Cariocas”.
A partir da análise dos manuais e cartilhas consultados, nota-se que a maioria destes documentos é destinada aos próprios técnicos da administração pública, tanto fiscais quanto os responsáveis por obras, ou ainda para arquitetos e engenheiros para auxiliar no desenvolvimento de projetos. Ou seja, a população em geral não possui conhecimento das leis e regras para construir ou reformar sua calçada. Ela passa a se preocupar com este assunto e procurar fontes de informações somente quando notificada a respeito de irregularidade em sua calçada. Neste momento, é essencial que a Prefeitura forneça à pessoa interessada um documento (cartilha ou manual) de fácil compreensão para que a oriente na forma adequada de executar sua calçada.
Uma outra medida que pode ser adotada para garantir a execução da calçada conforme as normas, para os casos de reforma ou obra nova de edificação no lote privado, é incluir o desenho da calçada na aprovação do projeto de reforma ou obra nova, ou seja: condicionar a aprovação do projeto à aprovação do desenho da calçada. Um exemplo de um documento é a regulamentação de calçadas do Recife (Decreto n º 20.604/2004), que estabelece que a aprovação do projeto de engenharia ou arquitetura e o habite-se do imóvel estão condicionados ao projeto e bom estado do passeio público lindeiro.
Nos casos em que o proprietário não recebeu notificação da Prefeitura e a obra não engloba edificação mas tão somente a calçada, ele não precisa em momento algum entrar em contato com a Prefeitura para executar sua calçada. Como ele recebe a orientação correta?
Neste caso, o Poder Público precisa manter a divulgação e conscientização contínuas acerca da existência de normas para a execução das calçadas. Podem haver campanhas nas esferas de governo federal ou estadual indicando à população que procure a prefeitura de seu município antes de executar sua calçada e as administrações municipais devem fazer campanhas e distribuir informativos à população, que podem ser anexados ao IPTU, ou contas de energia elétrica, ou água, por exemplo.
Outra possibilidade seria a Prefeitura oferecer desconto no IPTU para os proprietários que reformarem a calçada. A obrigação de entrar em contato com a Prefeitura para conseguir o desconto é uma possibilidade de receber orientações.
No caso de necessidade de reparos na calçada por conta de obras públicas ou concessionárias de serviços ou por conta de retirada de árvores, a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) estabelece a responsabilidade do poder público e concessionárias em “garantir, de forma segura, a fluidez do trânsito e a livre circulação e acessibilidade das pessoas, durante e após sua execução” (Art. 59). Porém a lei é bastante vaga e não estabelece claramente as obrigações dos agentes citados, diferentemente do Decreto nº 45.904/2005 do munícipio de São Paulo que especifica, por exemplo, em detalhes as obrigações (vide Art. 44). Recife também traz orientações quanto a esse aspecto no Art. 12 do Decreto nº 20.604/2004.
Belo Horizonte também estabelece, em sua Cartilha de Construção e Manutenção de Passeios, que a conservação das calçadas é de responsabilidade do proprietário do terreno frontal. Cabe ao executivo a recuperação de calçadas por conta de intervenção de sua responsabilidade ou por danos da arborização.
Para aprofundar o cenário da mobilidade a pé a partir dos documentos levantados e analisados pelo Como Anda, continuaremos as próximas postagens com os eixos de classificação dos artigos mapeados na plataforma, compondo assim a série de textos sobre marcos regulatórios da mobilidade a pé, que visa contribuir para a pauta e também incentivar o fortalecimento e atuação em advocacy durante eleições municipais na sua cidade. Convidamos você a explorar a ferramenta no site e acompanhar como esse assunto é abordado nos documentos específicos da sua cidade. Não deixe de conferir o texto sobre Princípios e Diretrizes da Mobilidade a Pé |Moderação de tráfego.
Como Anda é o ponto de encontro de organizações que promovem a mobilidade a pé no Brasil, um projeto em desenvolvimento desde janeiro 2016 pelas organizações Cidade Ativa e Corrida Amiga através do suporte financeiro do ICS. Em sua primeira fase (2016), o projeto Como Anda contou com a consultoria em legislação de Meli Malatesta e Thaísa Froes.