Marcos regulatórios: Passeio

Como Anda
5 min readSep 12, 2019
Acompanhe os textos sobre os eixos que organizam os artigos mapeados na plataforma Como Anda.

A plataforma Como Anda disponibiliza uma ferramenta de busca de marcos regulatórios, criada com o objetivo de consolidar uma base de dados aberta com a legislação vigente referente à mobilidade a pé no Brasil. A busca pode ser feita pelos usuários a partir da seleção de filtros que, ao serem cruzados os dados, apresentam as legislações correspondentes aos critérios escolhidos. Alguns dos 11 eixos que podem ser aplicados como filtros de pesquisa são “travessias” (aspectos como diretriz geral; esquina; faixa de pedestre; largura; rebaixamento de calçada; travessia elevada) e “passagens e outras áreas específicas para pedestres” (aspectos como calçadão e via compartilhada; escadaria; passagem; passagem em terreno privado [fruição pública]; passarela).

No que tange a “passeios”, outro eixo aplicado como filtro para pesquisa, são contemplados aspectos como: ampliação temporária (parklets); definição de “zonas”; diretriz geral; faixa livre; faixa de acesso; inclinação longitudinal; inclinação transversal; largura; pavimentação e regularidade do piso; rampa e guia rebaixada para veículos; usos temporários (comerciais e outros). Aqui, especificamente, será abordado o aspecto ampliação temporária (parklets).

A Lei Brasileira de Inclusão acrescenta ao Artigo 41 do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) um parágrafo que obriga as cidades que devem ter plano diretor a elaborar plano de rotas acessíveis aos passeios públicos a serem implantados ou reformados pelo poder público para garantir acessibilidade a todas as rotas e vias existentes, inclusive as que concentrem os focos geradores de maior circulação de pedestres, como equipamentos públicos e, sempre que possível, de maneira integrada com os sistemas de transporte público coletivo. Isso abre a discussão para a interpretação de que o cumprimento deste artigo acaba por tornar a administração municipal a única responsável pela construção e manutenção das calçadas.

A legislação dos municípios estudados no Como Anda (ver texto a mobilidade a pé nas cidades brasileiras) indica como diretriz a implantação do desenho universal nas calçadas, principalmente nos trajetos entre equipamentos públicos e sua interligação com pontos de parada de transporte coletivo. Os municípios fornecem cartilhas e manuais de como implantar calçadas acessíveis mas não indicam como responsabilidade do próprio Poder Público a promoção de tais reformas, que ficam a cargo dos proprietários dos lotes lindeiros, cabendo às prefeituras apenas a fiscalização (ver texto Princípios e diretrizes da Mobilidade a pé | Acessibilidade).

Entre os municípios estudados, apenas São Paulo possui um programa específico para implantação de rotas acessíveis sob responsabilidade do Poder Público. O Plano Emergencial de Recuperação de Passeios Públicos (Lei nº 14.675/2008), conhecido como PEC das calçadas, foi lançado em 2008 e tem o objetivo de promover a realização de obras necessárias à reforma ou construção de calçadas que não atendam às normas previstas na legislação municipal, inclusive no tocante à acessibilidade. Os passeios públicos a recuperar estão situados em rotas emergenciais a serem definidas pelo Executivo, sendo que cada rota emergencial tem, em média, de 2 a 5 quilômetros e contempla vias em que situem serviços públicos e privados de atendimento ao público em conexão com paradas ou estações para embarque e desembarque de passageiros em ônibus e metrô.

As rotas acessíveis foram determinadas a partir de base de dados elaborada pela Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (SMPED), em 2006. A Prefeitura executa e paga as reformas desses passeios públicos. Porém, após a reforma, a manutenção desses passeios continua sob responsabilidade do cidadão, que pode ser multado se não o fizer[1].

O Plano de Mobilidade de São Paulo de 2015 adota o Plano Emergencial de Calçadas — PEC como programa de ação para reforma, construção e adequação de calçadas na cidade com meta de reformar 250.000m² de calçadas por ano até 2028. Mais recentemente, o Decreto 58.845/2019 define os trechos de reforma das calçadas abrangidas no Plano Emergencial de Calçadas (antiga Lei 14.675/2008) e também institui a revogação da Comissão Permanente de Calçadas — CPC (Lei Nº 58.194/2018). A CPC era um importante espaço para centralizar a discussão de estratégias e governança das calçadas, com o objetivo de orientar a realização das obras necessárias à reforma ou construção de passeios. Tendo em vista que a calçada é um espaço que tem a gestão pulverizada em vários entes da prefeitura (para citar algumas: subprefeituras, Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência — SMPED; Secretaria Municipal de Serviços e Obras — SMSO; Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento — SMUL; Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente — SVMA; Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes — SMT; Companhia de Engenharia de Tráfego — CET; Comissão Permanente de Acessibilidade — CPA; São Paulo Obras — SP Obras; Departamento de Iluminação Pública — ILUME; entre outras) reforça-se que a extinção da CPC foi uma grande perda para o avanço da mobilidade a pé no município. Ainda, observa-se que, assim como o Plano Emergencial de Calçadas, a regulamentação do Estatuto do Pedestre (Lei Municipal 16.673/2017), sancionado há dois anos, também estava sob responsabilidade desta Comissão.

Ampliação temporária: os parklets

Os parklets também são uma forma de qualificação do ambiente da calçada, por torná-lo mais agradável e interessante. O parklet é um local de encontro, que promove o convívio social, e também um local de descanso, trazendo conforto ao pedestre que deseja fazer uma parada em seu percurso.

Os parklets são iniciativas dos municípios, não houve regulamentação federal ou estadual para sua implantação nas cidades. O primeiro foi instalado em São Paulo e regulamentado em 2014. Na sequência, outras cidades brasileiras o regulamentaram também. Todos os municípios estudados, com exceção de Brasília, possuem as permissões de uso para parklets, regulamentadas em 2015.

O processo de ampliação e popularização dos parklets demonstra que iniciativas locais podem ser viáveis e ainda incorporadas por outros municípios tornando-se nova prática em uma escala mais ampla. Não foi necessária uma política nacional para estimular os parklets, foi uma iniciativa de um município, baseado em experiências internacionais, que influenciou outros e acabou ampliando-se.

A facilidade de regulamentar os parklets deve-se, em grande medida, ao fato destes serem instalados e mantidos por agentes privados, ou seja, não demandam recursos para obras ou manutenção por parte do poder público, apenas é necessário contabilizar os custos com equipe de funcionários para a aprovação do projeto e fiscalização.

Para aprofundar o cenário da mobilidade a pé a partir dos documentos levantados e analisados pelo Como Anda, continuaremos as próximas postagens com os eixos de classificação dos artigos mapeados na plataforma, compondo assim a série de textos sobre marcos regulatórios da mobilidade a pé, que visa contribuir para a pauta e também incentivar o fortalecimento e atuação em advocacy durante eleições municipais na sua cidade. Convidamos você a explorar a ferramenta no site e acompanhar como esse assunto é abordado nos documentos específicos da sua cidade.

Como Anda é o ponto de encontro de organizações que promovem a mobilidade a pé no Brasil, um projeto em desenvolvimento desde janeiro 2016 pelas organizações Cidade Ativa e Corrida Amiga através do suporte financeiro do ICS. Em sua primeira fase (2016), o projeto Como Anda contou com a consultoria em legislação de Meli Malatesta e Thaísa Froes.

[1] Informações obtidas no portal da Prefeitura de São Paulo: Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras. CALÇADAS: O direito de ir e vir começa na porta da nossa casa. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/calcadas/index.php?p=36935> Acesso em : 12 set 2019.

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